domingo, 24 de junho de 2012

Um mineiro no Chile - Parte 3



24 de junho de 2011

Acordo tarde. Com uma certa dificuldade, vou tomar banho. Com dificuldade porque, primeiro, tá muito frio. Segundo, o chuveiro do quarto funciona como aquelas torneiras de lugares públicos. Você aperta um botão e a água cai por um tempo, aí fecha.

Bem, de banho tomado, guardo minhas coisas na mala pra viajar para Valparaíso. Quando estou saindo do quarto, Facu passa pelo corredor e me pergunta:

FACU – Estás bién, Lucas?

EU – Si, Facu, muy bién.

Estranho ele perguntar isso e, ao chegar no quarto da Bruna, entendo o porquê da pergunta. Ela me conta que ela tentou me acordar mais cedo, mas bateu na porta do quarto e não atendi. Preocupada, chamou o Facu, que também tentou me acordar sem sucesso. 

Deixo minhas coisas no quarto da Bruna e coloco na mochila roupas suficientes para passar dois dias fora. Saímos do El Punto perto da hora do almoço e vamos caminhando para a Universidad de Santiago do Chile (Usach). No caminho, vejo duas coisas incomuns.

A primeira é uma mulher que está muito puta da vida! Não sei direito por que, mas ela grita com dois caras, que imagino serem seu marido e seu filho, sei lá. Ela solta vários palavrões, então entra no carro onde os dois caras a esperam. Ao entrar no carro, começa a bater no mais velho, que arranca com o carro. Os gritos dela seguem até o carro sumir de vista.

Outra coisa incomum que eu vi foi uma escola com carteiras empilhadas na sua porta e estudantes grevistas com a chave na mão. Greve de estudantes é algo que, até então, eu nunca vi! Passamos por alguns estudantes do primário que comem sopaipillas (um salgado frito, muito comum no Chile) e chegamos à universidade. 

A Bruna me leva ao bandeijão, onde encontramos alguns brasileiros de Minas, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Todos, muito simpáticos. A Bruna pega seu almoço: uma salada, uma maçã, pão e uma sopa aguada, que não gostei muito. Ela me oferece a comida, mas não me agradou muito... Aliás, comi o pão pra forrar o estômago. De lá, vamos a uma lanchonete, onde pego um sanduíche e uma garrafa de Bilz, um refrigerante tradicional chileno. Então vamos à rodoviária.

Nosso ônibus pra Isla Negra só vai sair daqui a umas duas horas. Vamos ao shopping ali na frente para passar a hora. Eu sou apaixonado por loja de brinquedos. Se a loja vende Lego, melhor ainda! Vejo uns Legos de Star Wars ali, custando 20 mil pesos, uns 80 reais... É, barato em comparação com o preço no Brasil, mas não tenho essa grana toda. De lá, a Bruna vai ao banheiro, e pede para eu esperar por ela na frente de uma loja de CDs.

O dono da loja não para de olhar pra mim. Será que ele pensa que quero roubar sua loja? Bem, acho que acabei de descobrir uma forma de matar dois coelhos em uma cajadada só. Entro na loja, e começo a olhar os CDs. Vejo “Amar la Trama” do Jorge Drexler CD+DVD... Se eu já não tivesse o CD, compraria com certeza! Então encontro um CD da Katy Perry, cujo título eu não sei. Semanas antes de eu ir pro Chile, meu irmão comprou outro CD dela. Esse eu sei que ele não tinha. É caro, mas vou levar! E o dono da loja vai ver que não estava mal intencionado.

A Bruna me encontra na loja e, dali, fomos a uma grande loja de departamento que ocupa dois andares do shopping. É tipo as Lojas Americanas, mas muito maior. E vende de tudo: roupas, eletrodomésticos, coisas para casa, perfumes, até bicicletas e motos! Estou louco pra comprar uma camisa da Seleção Chilena, mas estão bem caras! Vai ficar pra próxima.

OK, já está dando hora de partir! Voltamos para a rodoviária e, em pouco tempo, estamos num ônibus meio velho, rumo a Isla Negra. Nos arredores de Santiago, vejo muitas fazendas em meio a uma vegetação que lembra um pouco o cerrado de Minas, apesar de ter árvores bem diferentes. O ônibus avança, enquanto vamos ouvindo Skank no meu celular.

Depois de algumas horas, descemos uma serra. Olho pela janela e, não acredito no que os meus olhos veem: o Oceano Pacífico!

Oceano Pacífico visto do quarto de Pablo Neruda.
(Foto: Lucas Conrado)
Pouco tempo depois, descemos em um pequeno vilarejo, às margens da estrada. Ali é Isla Negra! Andamos alguns metros pela estrada e começamos a descer uma pequena rua. Não sei por que, mas aquilo me lembra muito minha cidade, Carmo do Cajuru. Logo ali está a casa de Pablo Neruda, local onde o poeta e sua última esposa estão enterrados.

O sol já está se pondo e daqui a pouco a casa vai fechar. Conseguimos a última visita guiada do dia, que vai começar em poucos minutos. Enquanto não começa, damos um pulinho na loja de lembranças da casa, que é sede da Fundación Pablo Neruda. Depois de comprarmos alguns postais e vermos algumas coisas interessantes, a guia nos chama.

Silhueta da casa de Pablo Neruda, em Isla Negra
(Foto: Lucas Conrado)

Cara, na boa, a casa de Isla Negra é visita obrigatória para quem vai ao Chile. Uma casa que foi construída, por dentro, simulando um barco, repleta de enfeites do mundo inteiro, coisas que o Neruda colecionava. É uma experiência fantástica e indescritível visitá-la. A única foto que podemos tirar lá dentro é o mar, visto de dentro do quarto do poeta! Que vista fantástica!

Bruna e eu na casa de Pablo Neruda (Foto: Lucas Conrado)
Terminou o passeio e o sol já se foi. Descemos até o quintal da casa, onde o poeta está enterrado. De lá, vemos uma praia logo abaixo. Nos dá vontade de descer até lá. Saímos da casa já de noite e descemos por uma rua sem iluminação nos postes, até umas pedras. O vento que vem do mar é muito frio, mas gostoso. Parafraseando Pablo Neruda: “A noite está estrelada e tiritam, azuis, os astros lá ao longe. O vento da noite gira no céu e canta”.

Depois de algum tempo ali, decidimos subir até a estrada para pegarmos o ônibus até Valparaíso. Paramos em uma lanchonete bem simplezinha e pedimos um saco de batatas fritas. Reparo nos refrigerantes a mostra. Além dos de marca (Coca-Cola, Fanta, Sprite), há alguns da região bem curiosos. Refrigerantes de diversas frutas, como uva, abacaxi e, o mais bizarro de todos, mamão. Fico com o de abacaxi.

A Bruna está preocupada. Toda hora desce até a estrada pra ver se o ônibus está vindo.

BRUNA – E se o ônibus vier antes que as batatas saírem?

EU – Relaxa, Bruna. A gente vai viajar pra Valparaíso comendo batata frita!

Dito e feito. Pouco depois, estamos na beira da estrada, jogando batatas pra alguns cachorros, quando nosso ônibus chega, para tristeza deles. Subimos no ônibus e começa uma longa viagem até Valparaíso. Longa, porque o ônibus toca um vídeo, que é uma coleção de músicas eletrônicas dos anos 90, em medley. Eu não gosto de música eletrônica, mas no começo está legalzinho. Vamos relembrando os clássicos da nossa infância. OK, o vídeo acabou, dá pra dormir, né?

Não, não dá. Aliás, a Bruna está dormindo, mas ela dorme cinco minutos depois de entrar em qualquer coisa que se move. Bem, mas estou acordado e o motorista colocou o vídeo para tocar de novo. E de novo. E de novo. E de novo... E assim vai até chegarmos a Valparaíso, mais ou menos uma hora e meia depois...

Chegamos em Valparaíso, já de noite. E não temos onde ficar! Caminhamos até uma banquinha na plataforma de desembarque e, depois de trocar algumas palavras em espanhol com a mulher da banquinha, a Bruna vira pra mim e diz:

- Pronto, já arrumei um albergue para nós dormirmos essa noite.

Alguns minutos depois, uma senhora muito atenciosa chega à rodoviária para nos buscar. Pegamos um ônibus, que atravessa a cidade. Enquanto estamos no ônibus, ouço a Bruna falar em espanhol com a mulher. Elas falam tão rápido, que não consigo pescar nada. A mulher olha para mim e faz uma pergunta que não entendo. Então a Bruna responde para a mulher que sou estudante de Jornalismo no Brasil, assim como ela (Bruna). Sério, como ela entende o chilenês?

Então começo a tentar me enxergar com o olhar dos chilenos. Isso é, quando um gringo entra num ônibus no Rio de Janeiro, reparo nele. Fico tentando ouví-lo falar, adivinhando de que país é. Será que os chilenos estão reparando nesse brasileiro? Muito provavelmente, sim.

Esses pensamentos são dissipados quando a Bruna me diz que chegou a hora de descer. Caminhamos um pouco até o furnicular, que nos levará à parte alta da cidade. Para quem não sabe, Valparaíso é uma cidade portuária, dividida em duas partes: a baixa e a alta. A parte mais moderna da cidade é a baixa. É nela onde estão a rodoviária e, obviamente, o porto. Já a parte alta é mais tradicional. As casas têm uma arquitetura toda diferente, imagino que colonial. São lindas. 

Bem, subimos o furnicular e andamos por alguns becos e ruas até chegar ao nosso albergue. É uma porta que dá em uma escada para o segundo andar da casa. Há uma sala de estar e jantar, um corredor que leva à cozinha e a um banheiro no fundo e outro que leva aos quartos, na parte da frente. A mulher nos leva ao quarto onde vamos dormir. É um quarto com várias camas e beliches, todas vazias. Éramos os únicos naquele quarto. Ele tinha um armário e uma televisão.

MULHER (em espanhol) – Se vocês quiserem ver algum filme, podem trazer o DVD que está ali na sala e ligar na televisão aqui no quarto. 

Ótimo! Gravei pra Bruna um DVD com o filme Que Pena tu Vida, uma espécie de 500 Dias com Ela chileno. Queríamos ver o filme, e com o DVD no quarto, seria ótimo. Mas o filme fica para depois. Guardamos nossas coisas no armário e saímos, para visitar a cidade.

Na parte alta de Valparaíso, passamos no ateliê de um artista plástico, que faz desenhos lindos! Esses desenhos são vendidos em forma de quadros e de cartões postais. Eu, um colecionador de postais e fã de desenhos, fiz a festa. Compro vários pra mim e dou dois de presente pra Bruna. 

Vista de Valparaíso ao anoitecer. (Foto: Ferrando/Flickr)

Depois de comprarmos os postais, passeamos pela parte alta da cidade. As luzes da cidade na encosta é uma visão linda! Logo ali na frente, uma rua que vai para o centro, na parte baixa. Descemos desviando das obras e paramos em uma loja, com uma grande pintura do Victor Jara e outra, que parece ser em tamanho real, do Salvador Allende. 

Salvador Allende. Ex-presidente e heroi do Chile
(Foto: Bruna Acácio)
Victor Jara foi um cantor e professor universitário assassinado pelas tropas de Pinochet nos primeiros dias do governo militar chileno. Salvador Allende foi o presidente deposto e morto também no golpe militar de 73. Os dois, juntos do Pablo Neruda são a santíssima trindade chilena. Os três maiores heróis do país. São idolatrados de uma forma semelhante (se não for maior) que o Ayrton Senna, no Brasil.

Terminamos de descer a rua e entramos num bar, que a Bruna disse ser muito bom. Detalhe: na semana que fui ao Chile, estava assistindo ao filme que eu amo, Diários de Motocicleta. Uma das cidades que Che Guevara e Alberto Granado visitam é Valparaíso, então eu já estava num clima do filme total. Quando entramos nesse bar, há uma cantora cantando Chipi Chipi. Na hora, reconheço a música que toca no filme! Com um sorrisão na cara, me sinto um viajante, como Guevara e Granado.


Infelizmente, o bar estava lotado. Estamos andando por uma avenida da cidade, na direção de outro bar, que a Bruna disse ser muito bom. Chegamos num beco todo “pichado” e a Bruna nos conduz para dentro. Bem vindos ao Casino Social.

Entupindo as artérias com a Chorrillana
do Casino Social (Foto: Bruna Acácio)
O Casino Social é um bar diferente de tudo que já vi. As paredes estão tampadas de prateleiras, enfeites e foto e o teto, de tranqueiras penduradas. Até uma bomba! Além disso, cada centímetro quadrado do bar tem um nome escrito. Essas são as “pichações” que vi desde lá de fora. É tradição comer nesse bar e depois escrever seu nome. Adorei!

Pedimos uma chorrillana. Desde que cheguei no Chile me falam nesse prato. Chorrillana é uma porção de batatas fritas, com bife picado, ovo e cebola frita. Chegam com o prato na nossa mesa, acompanhado do tradicional molho aji e uma garrafa de Pap, outro tradicional refirgerante chileno. Cara, a gordura pinga do prato. Dá a impressão de que, se você esfregar uma porção de Chorrillana na parede, ela fica transparente de tão engordurada! É uma das formas mais gostosas de se entupir as artérias.

Meu recadinho no guardanapo.
(Foto: Jacqueline Gonçalves)
Enquanto comemos, entram dois músicos: um tocando violão e outro tocando acordeom. Eles terminam de tocar a música e, ao passarem por nossa mesa, damos uns trocadinhos pra eles. Um pouco depois, chega outro músico no bar. Bem mais jovem que os dois primeiros e com um instrumento bem curioso: uma gaita de foles! Eu queria dar uma graninha pra ele, mas não tenho mais trocados.

Com dificuldade, terminamos a Chorrillana. OK, está tarde. Vamos voltar para o albergue? Com a barriga cheia e as artérias entupidas de colesterol, tomamos o caminho de volta. Mas, antes, deixamos o nosso nome num guardanapo, já que não tinha mais espaço pra escrever nas mesas ou paredes do local.

Subimos pela mesma rua que descemos e, um pouco depois, estamos entrando na casa.


Enquanto arruma a cama, a Bruna pede para eu buscar o DVD. Levo o aparelho para o quarto, mas como se liga isso? Com algum esforço, faço uma gambiarra com a tomada e ligo a TV e o DVD no mesmo lugar. Colocamos o disco pra tocar e nos deitamos pra assistir ao filme.

O filme nem acabou e já estamos dormindo...

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