quarta-feira, 27 de junho de 2012

Um mineiro no Chile - Parte 6


27 de junho de 2011
Sobrevoando a Cordilheira dos Andes, ao decolar de Santiago do Chile
(Foto: Lucas Conrado)


Estou no guichê da Gol, no Aeroporto de Santiago. Acabei de despachar a minha mala. O funcionário da empresa olha para a mala da Bruna e pergunta:

FUNCIONÁRIO - Vai despachar essa também?

EU - Não, vou levar ela comigo no avião.

FUNCIONÁRIO - Você só pode levar até 5 kg de bagagem de mão, vamos ter que pesar essa mala.

Santiago, temos um problema!

FUNCIONÁRIO - A mala pesa uns 8 kg. Você vai ter que despachar, mas como a sua outra mala estava com 19kg, vai ter que pagar por excesso de bagagem.

Isso é ruim.

EU - Tá... mas quanto isso vai custar?

FUNCIONÁRIO - 12 mil pesos.


26 de junho de 2011

Estou no quarto da Bruna, trocando com ela parte do dinheiro que sobrou da viagem.

BRUNA - Você não quer trocar também essa nota de 10 mil pesos?

EU - Ah, Bruna, acho melhor levar comigo... Sei lá, imagina se o vulcão entra em erupção de novo? Não é por nada não, mas se isso acontecer, volto pra cá.

BRUNA - Que nada... Se você precisar pegar um taxi de volta, chegando aqui a gente paga. E, se você não gastar, você vai trocar no Brasil mais barato do que aqui comigo...

Verdade. Estava trocando o dinheiro com a Bruna pela cotação da casa de câmbio que trocamos o dinheiro no Chile, e é muito mais vantajoso que trocar no Brasil. Tirei o dinheiro da carteira e entreguei na mão dela.


27 de junho de 2011

A Gol não aceita o pagamento em reais. Vou ter que trocar parte dos reais que trouxe para a viagem para poder despachar as malas. Eu sabia que deveria ter ficado com aquela nota de 10 mil pesos! Corro na casa de câmbio, troco a grana e volto ao guichê da Gol. Com as malas despachadas, hora de rodar pelo aeroporto e esperar pela hora do voo.

Ouvindo o Nerdcast, passeio pelo saguão do Arturo Merino Benitez. Vou de uma ponta a outra, passo pelas lojinhas de presentes, acabo parando num restaurante no segundo andar, onde você paga uns 14 reais e pode comer o que quiser no café da manhã. E que café da manhã! Achocolatado, suco, café, frutas, biscoitos, pães, manteiga, geleia... o que eu quiser comer por apenas 14 reais! Perfeito! E no Brasil, com 14 reais mal mal dá pra comprar um salgado e um refrigerante no aeroporto...

De barriga cheia, vou para o portão de embarque internacional. Entro na fila e, ao chegar no guichê da Polícia Federal Chilena, o policial me pede o comprovante de entrada no Chile.

EU - Comprovante de entrada?

POLICIAL - Sim, você recebeu um documento quando entrou no Chile, que deveria apresentar quando fosse embora. Não está com ele aí?

EU - Ahn... não...

Eu não faço ideia de que documento seja esse que ele está pedindo. O nervosismo vai tomando conta de mim. E agora? O que vai acontecer? Vou ficar preso aqui em Santiago sem poder voltar ao Brasil? O policial olhou para mim e disse, educadamente.

POLICIAL - Faz o seguinte, vai ali naquela salinha, mostra seu documento e diz que perdeu seu comprovante. Com a segunda via nas mãos, volta aqui no meu guichê.

Com medo, ando até a salinha indicada pelo policial. Explico que perdi meu documento de entrada no Chile e que o guarda me mandou ir até ali. Mostro minha identidade e, um minuto depois, estou com a segunda via em mãos. Volto ao guichê e entrego o papel ao policial, que diz que está tudo certo e deseja boa viagem.

Gente, seria tão bom se as coisas no Brasil fossem simples assim...

Passeio um pouco pelo saguão internacional do aeroporto de Santiago e fico louco pra comprar umas réplicas de aviões e um Lego que eu vejo ali, mas me restaram pouquíssimos pesos. E não tenho nenhum dolar no bolso. É, fica pra próxima.

OK, está na hora de embarcar. Me sento no fundo do avião e olho para fora. O sol ainda não nasceu e a madrugada parece estar gelada, julgando pela condensação na asa do avião e pelas roupas pesadas que os funcionários usam... Aiai, que pena. Estou partindo num avião a jato e não sei quando vou voltar de novo...

O avião taxia e decola, com o sol nascendo na Cordilheira dos Andes. O que é uma pena, porque estou sentado do outro lado e quero porque quero fotografar isso. Como é de praxe, a tripulação nos manda ficar sentados enquanto sobrevoamos os Andes, mas aquela vista é sensacional demais! Corro pro outro lado do avião e, mesmo tomando uma bronquinha pelo sistema de auto-falantes. Faço algumas fotos e volto para meu lugar. Outro lembrete de que não se pode levantar enquanto sobrevoamos os Andes.

Cara, que coisa incrível! Já tinha visto fotos da cordilheira vista do avião, mas vê-la ao vivo é ainda mais impressionante. Acho que isso explica as centenas de fotos que tiro, sem exagero! Sinceramente, ainda achei a cordilheira vista à noite mais impressionante, mas, mesmo durante o dia, é algo inesquecível!

Parece outro planeta, mas é a Argentina, perto dos Andes
(Foto: Lucas Conrado)
Logo após a Cordilheira dos Andes, já na Argentina, a paisagem impressiona. É um gigantesco... deserto? Não sei definir bem o que é, mas não há árvores nem outra vegetação por muitos quilômetros. Parece uma paisagem extraterrestre, é bem interessante!

O voo até Buenos Aires é tranquilo e o pouso é ainda mais. A conexão na volta vai durar apenas uma hora, mas já é o suficiente para me desanimar bastante. Cara, quatro dias no Chile não são suficientes para diminuir o saco cheio que estou desse aeroporto. Passei oito horas ali, tudo que eu quero é ir embora o mais rápido possível!

Desço do avião e caminho pela pista até o prédio do aeroporto. Quando vou passar pela alfândega, a policial não vai com a minha cara e me manda abrir a mochila. Não é que ela tira tudo da mochila, até meus livros e cadernos, e começa a folhear todos eles? Depois de fazer aquela bagunça toda, a mulher vira pra mim e fala, com uma certa rispidez:

POLICIAL - Agora, guarda tudo isso aí.

Depois o pessoal de Buenos Aires não entende por que tem a fama que tem. Seja como for, guardo a bagunça que a policial fez e caminho para o saguão, fulo da vida. Compro um pacote de balinhas e fico sentado, só esperando a Gol chamar para o embarque.

Graças ao bom Deus, o voo não atrasa. Entro no avião, me sento lá no fundo, como de costume, e, em poucos minutos, estou voando para casa. Atravessamos o Rio da Prata e o Uruguai. Por muito tempo, não faço ideia de que país estamos sobrevoando. Há represas e cidades lá embaixo, mas é impossível determinar onde estamos. Engraçado é que, a medida que avançamos para o norte, o chão vai tomando uma cara de Brasil. Não sei explicar direito o que é, acredito que seja a vegetação mais densa que vista na Argentina e no Chile, mas existe uma certa hora que temos a impressão de estarmos voando sobre o Brasil novamente.

Uma coisa engraçada é que, durante todo trajeto, olho as nuvens branquinhas no horizonte e imagino a Cordilheira dos Andes. Mesmo sobrevoando o Uruguai e o Brasil, tão distantes da cordilheira. Aiai, deve ser saudade...

Florianópolis, em Santa Catarina! (Foto: Lucas Conrado)
Um pouco mais pra frente, há uma grande serra, com o planalto e a planície bem definidas. No meio do caminho, nas descidas, uma densa floresta que imagino ser a Mata Atlântica. Agora é certeza, estamos no Brasil!

Como eu sei que estamos no Brasil? Simples, olha aquela ilha ali na frente, com uma ponte pênsil. É Florianópolis, capital de Santa Catarina. Nessa hora, o avião faz uma curva para a direita e começamos a sobrevoar o Atlântico, nos afastando cada vez mais da costa. E de pensar que, menos de 36 horas antes, eu estava em outro oceano, do outro lado do continente...

É engraçado. O oceano, visto do alto do avião, parece estar parado. Por alguma ilusão de ótica, as ondas parecem ficar no mesmo lugar. Aqui e ali há algum navio, minúsculo visto de cima. Aliás, até as nuvens parecem estar bem baixas e próximas do mar.

Nuvens que, diga-se de passagem, estão cada vez mais densas, a medida que avançamos para o norte. Agora, já não dá pra ver mais nada lá embaixo, nem mar, nem terra, nem nada. Não faço ideia de que lugar nós estamos e isso me angustia. Sei lá, sobrevoar o oceano me deixa nervoso. Quando não vejo o que está lá embaixo, é pior ainda.

Eu sei que o avião voa mais um pouco e, de repente, começa a descer. É uma coisa muito louca, meio parecida com o que eu faço no Flight Simulator. O avião não foi descendo aos poucos. Ele simplesmente chegou em algum ponto e começou a descer...

As nuvens vão se aproximando cada vez mais... cada vez mais... cada vez mais... Entramos numa camada de nuvens e, um pouco depois, estamos sobrevoando uma camada de "ar limpo" entre nuvens. A descida continua e entramos na camada inferior de nuvens. Não é uma descida violenta, mas também não é totamente tranquila. O avião chacoalha um pouco, dá um pouquinho de medo.

O medo que eu tenho é, sei lá, o piloto não enxergar a serra na nossa frente, e só vê-la tarde demais. É um medo irracional, considerando toda instrumentação do avião, eu sei, mas é um medo. Olho pela janela e tudo cinza, ainda estamos no meio das nuvens. E assim continua, por um tempo que parece ser uma eternidade.

De repente, surge o chão lá embaixo. Árvores, casas, estradas, indústrias... favelas, a Baía de Guanabara, a Linha Vermelha e finalmente o gramado do Galeão! O avião toca o chão, estou de volta ao Brasil!

Infelizmente, pousamos na pista mais longe do pátio do aeroporto. Da cabeceira dessa pista até o pátio, o avião leva uns 10 minutos taxiando. Costumo brincar que o taxi nessa pista dura mais que um voo, por exemplo, para Belo Horizonte.

Quando estamos nos aproximando do pátio, o avião para. Por que? Lá na frente, uma passageira se levanta e começa a mexer no bagageiro.

PILOTO - Gostaríamos de informar que, por questões de segurança, todos os passageiros devem ficar sentados e de cinto afivelado até a total parada da aeronave. Portanto, enquanto todos os passageiros não estiverem sentados, não prosseguirei com a aeronave.

Os passageiros começaram a ficar inquietos. A mulher, estrangeira, ou se fazendo de boba, continuou de pé, provocando a indignação de alguns passageiros. O piloto dá outro aviso como o primeiro e ela continua de pé.

É uma cena surreal que se desdobra no avião. Enquanto alguns passageiros, mais bem humorados, gritam "senta ae, senta ae, véia" outros se alteram, como um cara no fundo do avião que se levantou e ameaçou andar até a mulher. Contido pelas comissárias, ele gritava:

PASSAGEIRO - Se essa mulher não se sentar agora, vou lá na frente fazer ela se sentar!

COMISSÁRIA - Acalme-se senhor, já estamos indo lá na frente falar para ela se sentar.

Os comissários chegaram na passageira e lhe explicaram o que estava acontecendo. Quando ela se sentou, o avião explodiu em vivas e aplausos! Aiai, sim, estou de volta ao Brasil.

Comento isso porque, quando o avião chegou no Chile, aconteceu algo bem parecido. Mas o avião, ocupado por muito mais chilenos e argentinos, estava num silêncio absoluto. O piloto parou no meio da pista do aeroporto de Santiago, deu o aviso e os passageiros se sentaram logo em seguida. Nenhum aplauso, nenhuma viva, nada. No Brasil, as coisas são bem diferentes...

O avião para no finger e sou um dos últimos a descer. Depois de pegar a mala na esteira e passar pela Polícia Federal, saio no portão de desembarque internacional e tenho uma surpresa: Minha mãe e meu irmão estão no aeroporto, à minha espera! Imaginei que só fosse encontrá-los em casa! Que maravilha!

Abraços e beijos de reencontro dados, primeiras perguntas feitas, caminhamos até um táxi. No caminho de volta para casa, revejo as montanhas que estou acostumado, assim como os prédios, as favelas, meu querido Oceano Atlântico. E, enquanto vou vendo tudo isso, começo a contar essa história, que termina aqui.

Espero que tenham gostado!

@OLucasConrado

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