segunda-feira, 8 de setembro de 2014

A Ilha

Hoje mais cedo, houve uma explosão no metrô de Santiago do Chile. São poucas informações até agora, mas aparentemente houve sete feridos. Comentei aqui no escritório. Ninguém ligou. Fui procurar informações na imprensa, pouquíssimas matérias. Nenhuma em destaque. As poucas notícias que a imprensa brasileira tá publicando, têm poucas linhas, dois ou três parágrafos. Na TV, não tinha link ao vivo. Passava uma matéria fofa sobre golfinhos.

Não é só aqui no escritório. Para todo lado que se olha, ninguém se importa com o que acontece aqui na América do Sul, que, por algum acaso tremendo, é nosso continente.

Sou o único que acha isso muito esquisito (e grave)? Sério, vivemos numa ilha, isolados num mundinho particular que ignora totalmente nossos vizinhos. Deixa eu te perguntar umas coisas: você sabe quem é Ollanta Humala? Tem alguma ideia do que foi a Guerra do Pacífico? Já ouviu uma música do No Te Va A Gustar? Não, né? Mas certamente conhece Nicolás Sarkozy, sabe o que foi a Guerra da Secessão e sabe qual é o último hit dos Jonas Brothers.

Vivemos em uma ilha. Em um asteróide isolado no vácuo do universo. Para o brasileiro padrão, a América do Sul não passa de um eventual destino turístico, quando a grana pra Disney ou pra Europa tá curta. Ou só lembra que a América do Sul existe quando vai jogar a Libertadores. Não fazemos ideia do que está acontecendo com nossos vizinhos. Não sabemos que músicas eles cantam, o que comem no café da manhã, mal mal o que escutam. A gente não sabe falar espanhol! O inglês é nosso segundo idioma!

(Atualização enquanto escrevo o texto: A CNN está noticiando a explosão em Santiago. A mídia brasileira, não)

Procuro uma palavra para tentar explicar isso. A que mais se aproxima é "soberba". Brasileiro tem uma soberba gigantesca. Brasileiro se acha mais estadunidense que latino-americano. Mais europeu que sul-americano. Mais do que não saber o que acontece com nossos vizinhos, a gente não quer saber. A gente não se importa. Já parte do pressuposto que Bolívia, Peru, Argentina, Chile, Uruguai etc são formados por um bando de índios, sem cultura. O máximo de contato que a gente tem da cultura produzida nesses países são uma música ou outra que toca na novela das 8. Ou as novelas que o SBT reprisa desde que o mundo é mundo. A "música internacional" que as rádios tocam é toda em inglês. Os filmes que os cinemas passam são todos em inglês. Os games que jogamos são todos em inglês...

Aí que eu lembro da justificativa que as pessoas geralmente dão para essa soberba brasileira: "o Brasil é isolado da América do Sul por causa da colonização/idioma". O idioma pode explicar, mas é a causa principal? Porque, sei lá, o português é muito mais parecido com o espanhol do que com o inglês. Portugal é muito mais próximo da Espanha - até geograficamente que a Inglaterra. Nossos vizinhos são mais próximos de nós que os EUA e a Europa.

E se essa explicação está certa, por que chilenos, argentinos, uruguaios, colombianos conhecem tantos artistas brasileiros? Por que Avenida Brasil foi/é um sucesso de público em todo continente, a ponto de passarem o episódio final em um estádio na Argentina? Por que a banquinha de filmes piratas de Nazca vende Tropa de Elite? Vocês acham mesmo que é uma questão só de idioma?

E assim vamos vivendo. Sem saber que a Bolívia briga na ONU há décadas por uma saída para o mar. Sem saber que o Peru conquistou no começo do ano uma grande área de mar. Sem fazer ideia de quem seja Francisca Valenzuela. Sem entender por que a Colômbia e o Equador quase entraram em guerra uns três anos atrás...

Mas, se uma árvore cai na Quinta Avenida, centro de Nova York, tem link ao vivo, mostrando os transtornos que a queda causou no trânsito da capital do mundo.

Continuamos habitando nossa ilha, isolados dos nossos vizinhos. 

@OLucasConrado

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